domingo, 22 de outubro de 2017

Praças

22 de outubro - Dia da Praça


Praça Victor Civita (São Paulo - SP)

As praças são patrimônios públicos, que devem ser valorizados e preservados! Em centros urbanos cada vez maiores, agitados e impessoais, as praças são espaços destinados à convivência de seres humanos entre si e com a natureza; locais de encontro, permitindo que próximo à sua residência exista um ambiente agradável e apropriado para crianças brincarem em segurança, passear com animais de estimação, se exercitar ou relaxar.

Praça Doutor Carlos Alberto Studart (Fortaleza - CE)

Áreas urbanas com poucas praças se tornam mais áridas na temperatura e nos relacionamentos, pois estes espaços são necessários para os encontros individuais e os grandes eventos sociais, como ações comunitárias e apresentações musicais.

Piquenique na Praça das Violetas (Teresina - PI)
As praças são centros de lazer democráticos e gratuitos, abertas a pobres e ricos, crianças e idosos, humanizando as cidades. Nas praças brincam as crianças, os idosos jogam, os namorados se abraçam e beijam, os amigos conversam, se contempla com calma a agitada dinâmica urbana. A praça é para o povo, locais que convidam às reuniões coletivas ou vivências individuais.

Turma do Truco na Praça Daniel Munhoz Garcia Perez (Araraquara - SP)

O ser humano tem a infeliz tendência de desejar adquirir mais, mesmo sem ter a capacidade de manter adequadamente o que já possui. Queremos mais opções de lazer, mas não percebemos ou valorizamos a função simples, porém importante e eficiente, de uma praça bem cuidada próximo do local onde habitamos ou trabalhamos.

Conversando na Praça Chora Menino (Recife - PE)

Residências com frente para praças são mais valorizadas, por terem garantia de iluminação e ventilação naturais, estando mais protegidas dos transtornos causados pela expansão urbana desordenada resultante da especulação imobiliária.

Praças com bancos e brinquedos quebrados, sem iluminação adequada, com vegetação descuidada, que se tornam ponto de venda ou consumo de drogas, ou nela ocorre prostituição ou assaltos, não podem ser vistas como um problema a ser evitado, e sim como uma evidência de má administração por parte do poder público, que não realiza as necessárias ações de manutenção e policiamento. Ao invés de abandonar o local, os moradores e comerciantes locais devem se mobilizar e realizar manifestações na rua, nas redes sociais e na mídia, além de contratar advogado para mover ação judicial popular, cobrando os recursos necessários para manter a praça como um local útil e saudável socialmente.
Os que assim agiram, tiveram melhoria na dinâmica social local, com valorização imobiliária e aumento no fluxo comercial.

Espaço Pracão na Praça Philogomiro Lannes (Vitória - ES)

Adote a praça da região onde vive! Não espere a prefeitura zelar por um espaço que melhora sua qualidade de vida. Individualmente, ou juntamente com familiares e amigos, aja pela conservação e melhoria das plantas, equipamentos e construções existentes na praça. Ligue para as autoridades para cobrar a manutenção e denunciar pessoas que depredam a praça. Caso não exista este espaço, junte-se a outros moradores e cobrem a construção de uma praça no seu bairro. Os moradores atuais e as futuras gerações se beneficiarão com essas atitudes.

Crianças brincando na Praça Praça Willy Barth (Mercedes - PR)

Para saber sobre o contexto histórico e social das praças, acesse:
Nossas praças

Praça em Viçosa (MG)

Vídeos:

Projeto Praças Públicas
(7:09)
Os desafios no planejamento arquitetônico para revitalização e uso de uma praça.

A importância das praças públicas na vida das cidades
(3:08)
A praça é um espaço fundamental para termos uma vida saudável.

Exemplo do projeto "Adote Uma Praça"
(5:07)
A iniciativa particular pode compensar deficiência do poder público.

Programa “Adote uma Praça” ganha mais agilidade
(1:11)
Prefeitura de São Paulo facilita processo para pessoas físicas ou jurídicas agirem.

Projeto Praça
(14:57)
Ouvindo a população para saber quais modificações são necessárias numa praça.

22 de outubro - Celebração do Dia da Praça
Praça Santo Antônio (Guidoval - MG)
Foto : Sylvio Bazote

sábado, 14 de outubro de 2017

Vira Saia


Ilustração: José Efigênio Pinto Coelho
Pág. 106 do livro Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O Vira Sahia
Autora: Angela Xavier

Uma vez, subindo a Ladeira de Santa Efigênia, mostraram-me uma casa muito antiga, com a base de pedra à mostra, muitas janelas e árvores aparecendo detrás de um muro.
– Esta é a casa do Vira Sahia! disseram.
Defronte estava um oratório dedicado à Nossa Senhora das Almas. Eu já havia escutado muitos casos assombrados com relação àquela casa. Um arrepio percorreu meu corpo ao me lembrar deles.
As casas antigas, com seus cômodos amplos e piso de madeira, guardam muitas histórias entre suas paredes de pau-a-pique. Histórias muito antigas que deixaram rastros.
Dizem ter sido essa casa também um convento. Pessoas que viveram lá dizem já ter visto padres ao lado da cama, enquanto dormiam ou andando pela casa. Também aparece um senhor desconhecido muito bem arrumado, de bengala na mão, assentado num sofá, ouvindo as conversas da família reunida para o terço da noite. Pode ser o próprio Vira Sahia.
Algumas pessoas riem dessas coisas, dizendo serem cismas de mineiros. Um parente que se hospedou na casa se considerava um desses céticos.
Uma noite, já bem tarde, ele estava no fundo da casa, próximo à cozinha, pintando um quadro. Gostava de pintar nessa hora em que todos dormiam e os outros não interrompiam seu momento criativo. Saindo da cozinha, tem uma escada que vai dar no porão. De repente ele sentiu um cheiro forte de fumo de rolo, como se alguém estivesse fumando um cigarro de palha ou cachimbo ali do seu lado. Ele olhou em volta, não havia ninguém Não deu importância. Continuou pintando.
Terminando o quadro, ele parou pois devia esperar até de manhã para as cores secarem. Foi ao banheiro e de lá escutou os passos de alguém subindo as escadas do porão até a cozinha. Eram passos pesados. Nessa hora sentiu medo. Sabia que todos estavam dormindo. Aquilo estava muito estranho. Não acabou de escovar os dentes e correu para o quarto. Ao atravessar o corredor comprido que dava para seu quarto, onde sua esposa estava dormindo, ele escutou passos atrás de si. Entrou rápido no quarto e bateu a porta. O coração disparado. O barulho dos passos cessou. A mulher ficou rindo, pois ela já havia passado por algo semelhante e sofreu deboches dele.
Existem relatos de que esta casa tem um túnel passando por debaixo dela. Há uns cinquenta anos atrás, as crianças que viviam na casa descobriram a abertura do túnel. Queriam entrar, como é natural da curiosidade infantil. O pai, temeroso do que poderia haver dentro, mandou tapar a entrada. Antes disso, soltou uma galinha dentro do túnel e ela não voltou. Também contam que, nessa mesma época, foi necessário dar uns reparos no muro de adobe que cerca a propriedade. Ao começar os trabalhos, os operários levaram um enorme susto ao ver, no meio do muro, um esqueleto. Ele parecia ter sido emparedado na época da construção do muro e estava agachado; usava um chapéu de couro, botas e tinha um chicote na mão. Parecia um feitor. Assim que foi descoberto ele se desmanchou em contato com o ar.
Outros emparedados já foram encontrados em Ouro Preto. Esse costume de sepultar pessoas no meio da parede de pau-a-pique veio da Europa. Eram pessoas assassinadas ou doentes que, depois de mortas, tinham o corpo desaparecido, sendo descobertos muitos anos depois. Quando aparece um emparedado, costumam chamar um padre e ele conduz os restos a um cemitério, para dar repouso digno ao desconhecido.
Os lugares assombrados nos conectam com o passado. Estamos no ano de 1741, quando a casa de Vira Sahia foi construída.
Na velha Vila Rica do século XVIII havia pouca iluminação e, quando a noite caía, coisas estranhas aconteciam. Sombras e vultos fantasmagóricos surgiam inesperadamente. Vozes se confundiam com o ladrar dos cães. Ruídos assustadores povoavam as noites levando pânico à população. Seres alados com pés de pato, chifres e olhos em brasa eram vistos na noite escura. Muitas famílias se mudavam para longe, outras se trancavam em casa à noite, saindo somente em caso de emergência. A população assustada pediu providências ao governador. Foi baixado um decreto que dizia:
“Para evitar todo gênero de desassossego que têm com os mascarados, atirem-se contra estes e os matem, por serem perturbadores do sossego público, e se lhes declara que ficarão incursos em crime algum os que mataremos ditos mascarados, antes sim, se lhes dará um prêmio de cem oitavas de ouro a todo aquele que constar que matou algum mascarado que apareça no morro ou na vila, a qualquer hora da noite.”
O bispo de Mariana sugeriu que fossem colocados pequenos oratórios no cruzamento das ruas para afastar os poderes sombrios. O povo, com mais medo de almas penadas que de ladrões, colocou oratórios nas encruzilhadas e imagens de santos de sua devoção dentro deles. Chegavam a rezar ao redor dos oratórios até três vezes num dia ou cantavam hinos pedindo o fim das aparições que acreditavam serem almas penadas. À noite acendiam candeeiros a óleo diante dos oratórios. Aqui começa uma tradição que já dura mais de 250 anos, onde estão as vozes de muitas gerações.
As figuras fantasmagóricas que tanto assustavam a população, na verdade, eram membros de uma quadrilha de ladrões que, com artimanhas, enganavam povo e governo em seus movimentos noturnos.
Escondidos nas matas próximas a Vila Rica, esperavam a noite cair e, entre assombrações forjadas por eles para assustar a população e garantir ruas vazias, faziam a distribuição do ouro e outros objetos roubados, principalmente dos portugueses. Uma parte para cada membro da quadrilha, outra para um esconderijo até hoje desconhecido. Aproveitavam, também, para se abastecer de alimentos, armas e outras necessidades. Quando o dia clareava, eles se passavam por cidadãos honestos, cada qual com sua família e trabalho. 
Sua ação principal era roubar o ouro que as autoridades portuguesas retiravam dos mineradores através da cobrança do quinto, isto é, uma quinta parte de todo o ouro explorado oficialmente.
Este bando chamava-se “Almas do Purgatório”, em alusão aos sustos noturnos que davam na população, mudado depois para “Os Vira Sahias”, em homenagem ao seu chefe, Antônio Francisco Alves, que tinha o apelido de Vira Sahia.
Ele era moreno, descendente de índios, alto e um tanto misterioso e excêntrico. Falava pouco, mas sabia ouvir. Foi criado por padres franciscanos, de quem era amigo e contribuía com a construção de capela dedicada ao santo. Possuía grande fortuna e tinha vários agregados que viviam em sua propriedade, sob sua proteção. Ainda não havia a Igreja de Santa Efigênia. Vivia ele com sua família na Ladeira de Santa Efigênia, número 141, onde havia uma nascente de água que ele doava ao chafariz mais próximo. Tudo ao redor era de sua propriedade. Era uma pessoa querida e respeitada pela comunidade.
Um grande amigo seu era o Gibú, com quem gostava de pescar. O Gibú era um padre jesuíta francês que se apaixonou e relacionou com uma espanhola e, para evitar escândalo, foi mandado para o Brasil como se não fosse padre. Desde então, viva ele e sua linda espanhola em Vila Rica. Era respeitado por sua cultura e arte. Dizem ser dele os desenhos do chafariz da Rua do Barão e da ponte de Antônio Dias. Também foi ele o autor do esconderijo para onde ia parte do ouro roubado na Estrada Real. Esse tesouro nunca foi encontrado. Dizem que está até hoje numa gruta, atrás de um sumidouro, num local de difícil acesso.
Havia naquele tempo dois caminhos para sair de Vila Rica para o Rio de Janeiro: um por Saramenha, passando por Ouro Branco, e outro pelas Cabeças, Passa Dez e por Cachoeira do Campo. O Vira Sahia havia mandado construir um oratório defronte a sua casa no qual colocou uma imagem de Nossa Senhora das Almas. Ele usava a imagem como senha para indicar aos salteadores o caminho por onde o ouro sairia.
Depois que o bando já acumulava uma considerável riqueza, costumavam roubar apenas o ouro levado pelos portugueses para o Rio de Janeiro, e que depois seria enviado à Lisboa. Os comerciantes e tropeiros que abasteciam as regiões de mineração não eram molestados pelo bando do Vira Sahia. Nesta época, passaram a compará-lo ao Robin Wood, aquele que roubava dos ricos e distribuía aos pobres.
Apesar de o líder ser um morador urbano, a quadrilha era organizada pelos irmãos Nunes, que viviam em uma fazenda perto de Itabirito. Lá se reuniam, armavam e saíam para os assaltos. Os Vira Sahias – como ficaram conhecidos estes salteadores – preferiam morrer a revelar algum segredo do grupo. Se algum deles fosse preso ou morto pelas autoridades, os companheiros discretamente prestavam assistência à sua família e se vingavam de seus captores ou executores. A garantia de consideração e amparo aumentava ainda mais a lealdade entre os bandoleiros do grupo.
Vocês devem estar se perguntando como o Vira Sahia sabia o caminho por onde passaria o comboio levando o ouro. Sendo uma pessoa carismática e com grandes posses, conseguiu a amizade de um funcionário da Casa de Fundição de Vila Rica, que recebia propinas para informar sobre o caminho por onde sairia o ouro. Usando a imagem do oratório defronte a sua casa, O Vira Sahia informava o caminho do comboio do ouro: virando a santa ora para o lado de Saramenha, ora para o lado de Passa Dez.
O transporte do ouro em lombo de burros era um desafio difícil. Segredo e astúcia eram usados para despistar os salteadores. As autoridades mandavam que os militares ou funcionários comentassem nas tabernas – simulando estarem alcoolizados – falsas datas e rotas, saindo antes ou depois da data anunciada, por outro caminho. Algumas vezes saía por um caminho um comboio escoltado pelos dragões, com as mulas levando caixas vazias; enquanto pelo outro caminho seguia, disfarçado de comerciantes e com a maior parte das armas ocultas, o grupo levando o ouro. Noutras ocasiões, o comboio saía de Vila Rica levando caixas vazias e, depois de pernoitar uma vez, ao invés de seguir caminho, retornavam para Vila Rica, saindo no dia seguinte ou poucos dias depois por rotas diferentes, repetindo a manobra algumas vezes para desgastar a paciência ou mantimentos de possíveis criminosos, até que uma dessas saídas, com o ouro, seguia seu destino.
Até então, as autoridades portuguesas tinham conseguido sucesso em transportar seu ouro. No período de atividade dos Vira Sahias, algumas vezes os portugueses conseguiam levar sua preciosa carga, mas os bandoleiros geralmente levavam a melhor. Por causa disso, certos de que havia um ou mais informantes entre eles, os portugueses estabeleceram um prêmio em ouro para quem fornecesse informações sobre o traidor ou do chefe da quadrilha.
Na medida em que aumentava a eficiência e prejuízos causados pelos bandoleiros, aumentava o prêmio oferecido e a violência dos portugueses. Muitas pessoas foram mortas por suspeita de colaboração com os bandidos. Suas cabeças ficavam expostas na saída da vila – no atual bairro Cabeças – espetadas em estacas para desestimular e servir como aviso do que aconteceria aos Vira Sahias e seus colaboradores que fossem descobertos.
Entre os salteadores havia um único estrangeiro, um espanhol. Ele havia se aproximado do bando devido ao ódio que sentia pelos portugueses. Seu sonho era voltar para a Espanha, mas não tinha dinheiro suficiente. Tentado pelo prêmio e instigado pela mulher, ele informou às autoridades o que sabia: que os bandidos se chamavam Almas do Purgatório e que na mata eram coordenados pelos irmãos Nunes. Em Vila Rica, havia um esconderijo onde uma parte do roubo ficava guardada por um feiticeiro cruel e vingativo, chamado Vira Sahia, que tudo adivinhava.
Com estas informações, as autoridades organizaram sua investigação. Homem apelidado de Vira Sahia só havia um, mas era rico e estimado. Ao invés de agir com a habitual truculência destinada aos pobres, homens à paisana passaram a vigiá-lo dia e noite. Depois de algum tempo, já conhecedores dos hábitos de sua família e dos mais próximos, um dos vigias notou que o pequeno oratório defronte a casa, cuidado pessoalmente pelo Vira Sahia, após rápida limpeza tinha sua santa virada por ele ora para a direita, ora para a esquerda. Inicialmente este detalhe pareceu sem importância, mas após um novo assalto bem sucedido ao carregamento de ouro, os vigias mataram a charada, ao perceberem que na ocasião a santa havia sido virada na direção do caminho do comboio!
Durante a noite, dragões e policiais cercaram a casa de Antônio Francisco Alves e a invadiram. Sua esposa e filhas foram amarradas, sua casa saqueada pelos militares sedentos de vingança pelas mortes e humilhações sofridas, os móveis foram revistados com violência, depois destruídos a machadadas e queimados, junto com documentos da família. Com o sangue fervendo na medida em que a invasão acontecia, os dragões perderam o limite de suas ações. Agrediram o homem diante da família e, depois, o mataram sem interrogatório ou julgamento. Sua esposa e duas filhas foram estupradas, mortas e jogadas num matagal próximo. O esconderijo com o ouro não foi encontrado na casa ou seu terreno, como imaginavam as autoridades.
O noivo de uma das moças, desconsolado, entrou para o convento e construiu no local uma capela, a Capela das Dores. Essa capela não tem torres, pois elas só existem para locais afortunados. Por três vezes, depois da morte do noivo, torres foram feitas no local, mas ruíram pouco tempo depois de prontas. Diante disso, os padres desistiram de novas construções. As duas palmeiras plantadas em frente à capela são uma homenagem às filhas virgens do Vira Sahia, assassinas pelos portugueses.
Um casal de velhos escravos e todos os cachorros da casa também foram mortos. A santa do oratório não escapou à sanha vingativa e foi reduzida a pedaços.
Depois de matar o Vira Sahia, os portugueses foram atrás do seu amigo Gibú com ordem de matá-lo se não revelasse o esconderijo. Gibú apanhou e foi morto diante de sua amada sem nada revelar. Seu corpo desapareceu, assim como o do Vira Sahia.
Toda a vila se horrorizou com a violência criminosa das autoridades. Havia fortes suspeitas de que os corpos foram afundados numa lagoa da cidade. Perto desta lagoa vivia um homem estranho, de nome José Dez, mais conhecido pelo apelido de Gambá, devido ao mau cheiro que ele exalava. Por pequena quantia praticava atos de magia negra, nos quais se incluía, segundo boatos, consumir parte de cadáveres, jogando-os depois na lagoa, que passou a ser conhecida como Lagoa do Gambá.
Suspeitando que os corpos do Vira Sahia e Gibú estivessem no fundo da lagoa, depois de terem sido amaldiçoados pelo feiticeiro por serviço pago pelos portugueses, os salteadores Vira Sahias mataram Gambá e incendiaram sua casa. Labaredas saíram dela com fortes estouros, lançando forte cheiro de enxofre. Diz a lenda que, desde então, entre meia noite e três da manhã, próximo à lagoa, via-se um cachorro – que de relance parecia um dragão – que passava a noite andando pelas margens da lagoa, emitindo uivos horripilantes. Os moradores da região procuraram o pároco local, que mandou construir um grande cruzeiro de madeira, levado em procissão a um morro próximo à lagoa, que havia se tornado conhecido como Morro do Cachorro. O padre celebrou no local uma missa para o cortejo de moradores locais e multidão de fiéis, jogando muita água benta no cruzeiro e na terra ao redor, por ser este o local onde o cachorro geralmente primeiro aparecia. Dizem que, desse dia em diante, o cachorro diabólico não mais foi visto, exorcizado pela cruz e pela fé nela concentrada. O local passou a ser conhecido então como Morro do Cruzeiro, onde hoje se encontra o Campus da Universidade Federal de Ouro Preto.
Quanto ao delator espanhol, foi assassinado pelos salteadores Vira Sahia enquanto esperava para receber o prêmio que seria entregue pelos portugueses somente depois da recuperação do ouro roubado ou de provas inquestionáveis da chefia do bando. Abordado em sua casa, fugiu dela, mas foi morto após breve perseguição. Sua casa foi incendiada, provocando a morte de sua esposa e filho. Dizem que a alma do espanhol, possuída pela frustração, saiu de seu corpo antes deste ser enterrado e tomou a forma de um urubu, passando a sobrevoar, e às vezes pousar, no local onde ficava sua casa, enquanto espera o retorno de seu corpo para a Espanha. Moradores da região da casa queimada ergueram, no atual bairro Lages, um cruzeiro no local onde foi deixado seu corpo, conhecido como Cruz do Espanhol.
A Igreja de São Francisco de Assis, que na ocasião da morte do Vira Sahia estava sendo construída principalmente com doações dele, ficou sem o sino da torre esquerda, como homenagem de luto por aquele que, roubando dos ricos, dava parte aos pobres.
Os irmãos Nunes conseguiram fugir e se embrenhar nas matas, não sendo nunca encontrados. Sua fazenda foi confiscada pela Coroa Portuguesa. As vastas propriedades urbanas pertencentes ao Vira Sahia foram tomadas pela Coroa Portuguesa, sendo dadas à funcionários, militares e policiais de altos cargos. Nessas propriedades caminhos foram abertos e depois se tornaram as atuais ruas públicas.
A quadrilha continuou a assaltar na Estrada Real por algum tempo ainda, mas não era mais conhecida como Almas do Purgatório, pois passou a ser denominada de “Os Vira Sahias”, mantendo a tradição de destinar parte de seus furtos aos pobres. O envelhecimento dos bandoleiros e o empobrecimento das minas deu fim aos assaltos.
Muito do que aqui foi descrito não está registrado em nenhum documento, mas a memória do povo não deixou apagar.

Casa do Vira Saia em Ouro Preto (Rua Santa Efigênia, nº 141)
Texto adaptado do livro “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier.
Págs. 107 a 116.
Edição do Autor; Ouro Preto (MG); 2009 (2ª edição).

Obs.: Esta postagem foi realizada mediante prévia autorização da autora.

Para mais "causos" e contos de Angela Xavier, acesse o blog dela:
Compartilhando Histórias
http://www.angelaleitexavier.blogspot.com.br 

Livro : Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto

O livro reúne mais de 70 histórias, ambientadas do século XVIII até início do XX, coletadas junto a moradores ou em livros sobre a cidade. Olavo Romano, responsável pelo prefácio, afirma que "Ouro Preto era cheia de fantasmas, uma cidade mal iluminada, repleta de capelas e cemitérios, onde ninguém saia de casa depois das 21 horas. Trata-se de um livro que narra a História de Ouro Preto de uma forma agradável, à maneira dos contadores de histórias, e está entremeada de lendas e causos. Começa chamando a atenção do leitor para a necessidade de se preservar aquilo que faz parte da nossa memória e relata a descoberta do ouro, os conflitos que surgiram no início e as revoltas". 
A ênfase do livro é dada às histórias dentro da História, nas curiosidades que os livros de História não relatam, na sociedade que se formou ao redor das minas de ouro com suas crenças, seus valores e sua religiosidade. Relatos de grandes festas, de muitos casos assombrados e tesouros escondidos. A ilustração, com desenhos em bico de pena, é do artista plástico ouro-pretano José Efigênio Pinto Coelho.

sábado, 7 de outubro de 2017

Neoliberalismo

Reforma trabalhista & Deforma trabalhista


Triste realidade de uma política – convenientemente liberal – que diminui direitos trabalhistas, permitindo uma situação quase medieval, onde empregados ofertam seu tempo e energia em troca de cada vez menos benefícios e garantias, numa perspectiva de trabalhar visando apenas a sobrevivência, sem vislumbrar um período de descanso na velhice que possibilite aproveitar a vida com dignidade. 
Quem desejar não participar desta degradante condição terá que viver como trabalhador independente, correndo os riscos de atividades que exijam elevado nível de atenção, dedicação e disciplina; características que muitos não possuem, levando a prejuízos e difíceis recomeços, diminuindo a possibilidade da construção de um patrimônio, ou fazendo-o através de um grande e desnecessário desgaste.

Trabalhadores & Exploradores

Neoliberalismo:
Doutrina econômica e política, desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a liberdade de mercado e intervenção mínima do governo sobre a dinâmica financeira e o mercado de trabalho, só devendo esta ocorrer em setores essenciais à existência do Estado e em épocas de crise.
Os neoliberais propagam que a distribuição de riqueza ocorrerá de forma natural e mais eficiente através do processo de oferta e procura. Para tanto é necessário investir em privatização de empresas estatais, na livre circulação de capitais internacionais, na atuação das empresas multinacionais e flexibilização das leis trabalhistas para o aumento do processo produtivo.
O Neoliberalismo é alvo de críticas sobretudo pelo processo de desregulamentação da força de trabalho e enfraquecimento das forças sindicais, gerando diminuição gradativa dos direitos trabalhistas e no padrão médio de vida da classe trabalhadora.
Um exemplo dessa dinâmica são os chamados Tigres Asiáticos, países industrializados e com mão de obra barata, consequência da inexistência ou deficiência de leis trabalhistas. Nestes países, os trabalhadores não contam com a garantia de férias, os benefícios são limitados e o salários mantidos baixos. Tudo isso para atrair empresas estrangeiras e assegurar altos lucros para os contratantes.

Trabalho & Mais-valia
Ilustração : Newton Silva

Mais-Valia:
Diferença entre o valor final da mercadoria produzida e a soma dos valores dos meios de produção e do trabalho para produzir algo. Mais-valia é a base do lucro no sistema capitalista, sendo o ganho líquido após descontadas todas as despesas. Em outras palavras, quanto menos se pagar pelo material e quanto menor for o salário dos empregados, maior será o percentual do dinheiro que ficará para o empregador.

Capitalismo neoliberal

Pobre que apoia o neoliberalismo é como judeu que apoia o nazismo:
desconhece e alimenta a fera que irá devorá-lo ! 

Novas leis trabalhistas & Antigos problemas sociais
Ilustração : Fred